Pássaro

14:57



Nós estamos sentados no gramado da sua casa, separados por um abismo, e você me olha daquele jeito que uma criança olha um brinquedo com o qual não sabe brincar. Ao longe, um pássaro tenta alçar o seu primeiro voo, sem saber que isso leva tempo, sem saber que esse tempo nos leva tudo. A distância entre um voo são vários tombos, eu diria ao pequeno pássaro que abre as asas, que tenta sugar o vento, que procura o impulso sabe-se-lá-de-onde, mas ele não me entenderia, nem eu me entendo. E então você grita, do outro lado do abismo, que eu deveria ser menos tempestade. Que eu deveria parar de chover tanto, de relampejar tanto. Você me serve as palavras como quem serve um prato gelado esperando que o outro coma, que o outro agradeça, e elas me pesam como se você me jogasse o mundo todo e pedisse para eu segurá-lo para você. E de repente eu sou o sol e  o eco das suas palavras secas dá voltas e voltas ao redor de mim. Mas eu não sou o sol, eu sou o pássaro que tenta dar o seu primeiro voo, eu sou o pássaro para quem ninguém disse que a distância entre um voo são vários tombos, porque ele não entenderia, como a gente não entende a si mesmo. E eu grito que é você quem é a tempestade, que eu sou o pássaro que está indo embora, o pássaro que sobrevoa o abismo que você colocou entre nós, e que você pode ficar com toda a chuva e os relâmpagos para você.

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